A Felicidade na Perseverança




Meu bem-amado Lucílio, conjuro-te a tomar o único partido que pode garantir a felicidade. Dispersa e
pisoteia os esplendores de fora, as suas promessas, os seus lucros; volta o olhar para o vero bem; sê feliz mercê do teu próprio cabedal. Qual é esse cabedal? Tu mesmo, e a melhor parte de ti. Este pobre corpo esforça-se por ser nosso colaborador indispensável; considera-o antes um objecto necessário do que importante. Ele procura os prazeres vãos, breves, seguidos de descontentamento e destinados, se uma grande moderação não os tempera, a passarem para o estado oposto. Sim, sim, o prazer está à beira de um declive: inclina-se para o sofrimento quando deixa de observar o justo limite. Ora, observar tal limite é difícil em relação àquilo que se acreditou fosse um bem. O ávido desejo do verdadeiro bem não oferece risco algum.
Em que consiste o verdadeiro bem - quereis saber - e qual é a fonte de onde emana?
Eu to direi: é a boa consciência, as intenções virtuosas, as rectas acções, o desprezo pelos eventos fortuitos, o desenvolvimento tranquilo e regular de uma existência que anda por um só caminho. Quanto a esses homens que vão de desejo em desejo, ou que, mesmo sem entusiasmo, a eles se deixam levar pelo acaso, como poderiam encontrar, eles que são tão hesitantes e indecisos, uma certeza, um ponto de apoio? São raros os que se guiam por conselhos e por eles administram os seus negócios. A maioria não tem um modo de proceder regular, mas deixa-se arrastar como os destroços que flutuam nos rios. Uns, retidos em águas tranquilas, são carregados brandamente; outros derivam ao sabor da corrente; eis este que a onda, perto da margem, nesta depôs languidamente; aqueles, presos no turbilhão, correm a se perder no mar. Temos, pois, de determinar qual deva ser o objecto do nosso querer, e a ele nos ater com perseverança.
Eis agora o momento de saldar a minha dívida. Vou-te pagar com um dito do teu caro Epicuro, que finalizará a carta de hoje:

É penoso estar sempre no começo da vida

Ou, se o pensamento ganhar maior relevo:

É viver mal começar sempre a viver

- Como isso? - perguntas.
O dito reclama, com efeito, uma explicação. Uma vida assim é sempre imperfeita. Ora, não se pode estar pronto para morrer se apenas se começou a viver. Façamos como se tivéssemos sempre vivido bastante: esta condição, o homem que prepara com exactidão a trama da sua vida, não a cumpre.
Não penses que o caso se aplique a um pequeno número de pessoas; é quase que o de toda a gente. Alguns começam no momento em que é mister acabar. Tu te espantas? Eis algo com que te espantares ainda mais: alguns deixaram de viver antes mesmo de ter começado.

Séneca, in 'Cartas a Lucílio'

Um comentário

Nequéren Reis disse...

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