e essa que vejo como se sonhasse, com seus picos sólidos adormecidos na paisagem? Catedral de pedra, recortada no cenário, ela perpetua seu mistério na superfície dos dias. Ser ancestral, moldado em terra, pouco a pouco ela me absorve e aprisiona em seu ventre e me povoa com sua historia de abismos. Nela reencontro a mulher. Ela continua só e me aguarda. Caminha em minha direção, os pés descalços, o corpo silenciado pela quietude dos sentidos, com a cor da desesperança preenchendo o olhar. Mulher outra, mas tão minha conhecida! Observo-a por entre as palavras. Ela é una com as falésias, e eu a ouço e compreendo. Ah! Quero tocar em seus cabelos, pegar entre as minhas as suas mãos, e conduzi-la para além dessas pedras, onde, independente de sua vontade, gestou-se esta paisagem na qual ora me encontro. Talvez eu pudesse fazê-la sorrir, envolve-la com meu carinho, faze-la perceber o frágil equilíbrio entre o passado e o futuro, mas não! Perdi-me dentro de mim, num deserto sem saída que se instalou em minha alma perplexa. E agora, estou aqui, parada, olhando para seu vulto que se reflete nesses espelhos de pedra, hipnotizada por sua presença. Então, a mulher me toma mansamente pela mão e juntas penetramos nesse universo de pedra entalhado na neblina. O tempo abre-se então, numa paisagem de outrora. Sinto o corpo todo estremecido pelas emoções reprimidas. Vomito minha dor, grudada há anos na garganta e grito: Por quê? Por quê? E essa pergunta é a chave que me permite abrir uma passagem em sua alma e penetrar enfim no mistério! Seu rosto desliza pelo tempo, e eu passo a enxergar através de seus olhos, repletos de espanto, a sentir suas emoções, a aguardar, pacientemente, a revelação dos fatos. Observar o sol nascer do mesmo ponto, todas as manhãs, o espaço infinito de água, a sonhada liberdade, a impossível fuga desta ilha de pedra, minúsculo ponto perdido na imensidão do mapa. Olhando para ela, espelhada em mim, eu penso: E agora? O que farei com essa paisagem inscrita também em seu destino? Saberei contar nossa história?
Ludmila Saharovsky
(trecho de meu diário escrito em Solovki, em 2003)
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